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Sci Files: MISSÃO: MARTE


MISSÃO: MARTE é um dos filmes mais estranhos do diretor Brian De Palma. Não estranho, estranho. Ou seja, não seria estranho se o diretor fosse outro. É estranho justamente por ser um filme “família”, uma obra feita para a extinta Touchstone Pictures da Disney. O fato de o trabalho anterior do realizador ser uma obra bastante cínica (OLHOS DE SERPENTE, 1998) fez com que essa mudança para o extremo oposto deixasse muita gente perdida. Mas o incrível de De Palma é o quanto ele consegue imprimir sua assinatura autoral até em produções “de encomenda” milionárias, como foi o caso de MISSÃO: IMPOSSÍVEL (1996), seu filme mais bem-sucedido financeiramente.

MISSÃO: MARTE, por sua vez, custou à época uma fortuna (U$ 100 milhões) e não se pagou no mercado doméstico; assim, mesmo sendo um tanto rentável globalmente, foi considerado um fracasso para os executivos. E, como poderemos ver nos trabalhos seguintes, isso custou caro para o realizador em termos de facilidade/dificuldade de materialização de projetos. MISSÃO: MARTE, inclusive, já fora uma produção conjunta com três países (França/Estados Unidos/Canadá). Além do mais, o próprio De Palma não queria trabalhar em produções tão cheias de efeitos visuais como essa.

O filme pegou vários críticos de surpresa e até hoje faz muita gente ficar sem entender o que aconteceu com o diretor para fazer um trabalho como este. Talvez o roteiro seja um pouco problemático, mas é tão bonito, mesmo assim. Os minutos iniciais, com o incidente que atinge o primeiro grupo de astronautas em Marte, até fazem lembrar o De Palma que a gente conhece, com certo gosto pelo gore. Mas, depois, o tom de amor e de união dos personagens, sem um vilão ou uma figura paterna maligna ou um irmão maligno, faz com que se fique com a impressão que De Palma havia feito as pazes com o mundo e com sua família.

A competição aparece agora de maneira amigável: o personagem de Gary Sinise gostaria muito de integrar a primeira expedição a Marte, mas por causa de fatores tristes (a morte da esposa) ele é substituído pelo personagem de Don Cheadle. Enquanto isso, há a imagem da felicidade do casal Tim Robbins/Connie Nielsen, que faz com que o protagonista (Sinise) tenha ainda mais saudades da falecida mulher. As homenagens a 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO são bem explícitas, visualmente e tematicamente, mas no meio do realismo da semelhança com o clássico de Stanley Kubrick há, em vários momentos, um sabor das sci-fies ingênuas dos anos 1950, principalmente nas cenas em que os quatro principais astronautas estão procurando conhecer o terreno em que se encontram, já no quarto final. De Palma é também mestre em relembrar e homenagear clássicos do passado, não apenas de Alfred Hitchcock, como sabemos.

Talvez, mais importante do que falar mais uma vez sobre a relação de competitividade existente entre o jovem Brian De Palma e seus dois irmãos, talvez valha a pena falar um pouco sobre uma leve competitividade entre De Palma e seus dois amigos da Nova Hollywood, Steven Spielberg e George Lucas, que já haviam adentrado o terreno da ficção científica já nos anos 1970, com filmes como THX-1138 e GUERRA NAS ESTRELAS (Lucas) e CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU (Spielberg). Ou seja, os três eram fãs de ficção científica, mas só em 2000 De Palma pôde fazer sua ópera espacial, não sem homenagear o amigo Spielberg – tanto em MISSÃO quanto em CONTATOS, o protagonista fica com os extraterrestres no final.

O filme ainda conta com uma bela trilha do mestre Ennio Morricone (ainda que não tão antológica como a de OS INTOCÁVEIS, 1987) e uma fotografia lindona de Stephen H. Burum, que havia trabalhado nos filmes anteriores de De Palma. Entre outras curiosidades vale lembrar que o diretor cotado para dirigir a produção era Gore Verbinski (O CHAMADO) e é curioso como, mesmo assim, De Palma chega e imprime sua marca, como se o projeto fosse sempre seu. Outra curiosidade é mais uma lembrança da época em que filmes com temas parecidos se esforçavam para chegar antes: o filme de De Palma conseguiu chegar aos cinemas antes de seu rival, PLANETA VERMELHO, de Anthony Hoffman.

MISSÃO: MARTE é um filme sobre laços familiares e visão espiritual que tem tudo a ver com o momento por que De Palma estava passando. Seu irmão, que havia sido “tema” de quase todos os seus filmes, no papel de antagonista, havia morrido em 1997, depois de viver anos em paranoia numa ilha na Nova Zelândia. E em 1998, seria a vez de De Palma perder sua mãe. O novo filme trata da questão desses laços, do quanto o DNA é representativo de nossa herança na Terra. A mãe segue existindo no filho, enquanto esse filho segue existindo na filha dele, representada em algumas cenas do filme. Uma pena que o tom mais idealista não tenha sido tão bem aceito, pois me parece bastante sincero e emotivo.

Ailton Monteiro

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