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Resenha de Série: STAR TREK: DISCOVERY – 2ª Temporada


Star Trek Discovery Season 2 (2019)
Elenco: Sonequa Martin-Green, Anson Mount, Michelle Yeoh, Doug Jones, Ethan Peck, Anthony Rapp, Mary Chieffo, Shazad Latif, Mary Wiseman, James Frain, Rebecca Romijn, Wilson Cruz, Jayne Brook, Mia Kirshner, Sonja Sohn, Rachael Ancheril, Alan van Sprang, Tig Notaro
Roteiro: Vários
Direção: Vários
Cotação: 3/5

ATENÇÃO: caso você ainda não tenha assistido à segunda temporada de Star Trek: Discovery, o texto a seguir contém Spoilers.

Com seu lançamento em 2017, Star Trek: Discovery chegou quebrando paradigmas na longeva franquia sci-fi: foi a primeira série criada exclusivamente para serviços de video on demand – CBS All Access nos EUA e Netflix na maioria dos outros países, inclusive no Brasil -, porém isso não é nada perto do que ela trouxe ao público.

Além de trocar o formato episódico pelo serializado, com um arco que liga toda a temporada, a protagonista agora não é mais um Capitão ou Capitã da Frota Estelar, mas sim a oficial Michael Burnham (Sonequa Martin-Green), que cai em desgraça por desencadear uma guerra com os klingons. As principais ações dos episódios são levadas a cabo não só por ela mas também por outras mulheres, como a Alferes Tilly (Mary Wiseman), a Almirante Cornwell (Jayne Brook) e a Capitã Georgiou (Michelle Yeoh), deixando excelentes personagens como os Capitães Lorca (Jason Isaacs) e Pike (Anson Mount) na condição de meros coadjuvantes.

Mas ser feminista não é o principal problema para os fãs mais tradicionais da franquia, que no Brasil continuam tratando-a com a tradução Jornada nas Estrelas. O que causa desconforto é a extrema disparidade visual e tecnológica em relação às séries e filmes anteriores de Star Trek. Como que para fazer jus aos excelentes recursos de produção, nela tudo é mais moderno e tecnologicamente avançado do que qualquer coisa que vimos nas aventuras da nave Enterprise comandada pelo Capitão James Kirk, que se passam 10 anos depois de Discovery, no século 23. Há elementos de design clássicos que podemos identificar, mas de modo geral tudo passou por upgrades e alterações.

Os uniformes não condizem com o período, as comunicações são feitas através de hologramas, as naves são capazes de pousar na superfície de um planeta – algo que só vimos em Voyager, que se passa 100 anos depois da Série Clássica -, e para culminar a nave Discovery utiliza um motor de esporos capaz de transportá-la instantaneamente para qualquer lugar do universo. Em comparação com tudo o que vimos em séries que se passam no século 24, como A Nova Geração e Deep Space 9, Discovery parece situar-se no século 25 ou além. 

Talvez o elemento inicialmente mais polêmico tenha sido os klingons, que ganharam uma aparência muito mais alienígena (carecas e com crânios alongados), talvez inspirada pelos que foram vistos no filme Além da Escuridão: Star Trek (2013). Mesmo suas naves em quase nada lembram as que tínhamos visto nas outras séries e filmes. Mas o ponto crucial de discussão é o fato de que Burnham foi criada desde pequena pelos pais de Spock (Ethan Peck), Sarek (James Frain) e Amanda (Mia Kirshner), tornando-a portanto irmã de criação do vulcano mais famoso da franquia – algo que nunca foi mencionado.

Provavelmente em atenção às críticas, os produtores tentaram corrigir o rumo da série na segunda temporada. Dois showrunners foram demitidos, e Alex Kurtzman assumiu sozinho a tarefa de tentar aproximar Star Trek: Discovery do cânone da franquia a partir da introdução, no episódio final da primeira temporada, da icônica nave estelar Enterprise, nesse período comandada pelo Capitão Christopher Pike e tendo como Oficial de Ciências Spock, como estabelecido na Série Clássica.

Tendo como arco da segunda temporada estranhos fenômenos cósmicos aparentemente criados por um avançado ser do futuro que ganha a alcunha de “Anjo Vermelho” e a iminente destruição de toda a vida inteligente da galáxia, Pike assume interinamente o comando da Discovery para investigar a situação, que acabará levando a um projeto secreto de viagem no tempo da Seção 31, o infame braço oculto da Frota Estelar. No desenrolar desse arco, os roteiristas aos poucos começam a desconstruir muito do que a série estabelecera na temporada inicial, como por exemplo expurgando as comunicações holográficas por facilitarem a invasão dos sistemas das naves, e recolocando cabelo nos klingons – algo rapidamente mencionado e que não recebe maiores explicações.

Ainda em relação aos klingons, Tyler/Voq (Shazad Latif) cria nada menos que os clássicos cruzadores de batalha D-7, que surgirão no episódio final da temporada, porém esqueceram que pelo menos um deles foi visto antes na série Star Trek: Enterprise, que se passa no século anterior ao de Discovery. Já alguns episódios buscam uma maior aproximação com o cânone da franquia, como “If Memory Serves”, no qual Burnham e Spock viajam a Talos IV e lá reencontram os alienígenas talosianos e a humana Vina (Melissa George), e “Through the Valley of Shadows”, onde Pike vislumbra seu trágico destino (conforme estabelecido no episódio em duas partes da Série Clássica “The Menagerie”) e tem de escolher entre alterar seu futuro ou obter o Cristal do Tempo que permitirá salvar toda a vida inteligente da galáxia.

A tripulação da Enterprise roubando a cena

A temporada também mostra em paralelo algumas tramas de personagens de apoio como Tilly (dispensável), Saru (Doug Jones), onde em um dos melhores episódios da temporada, “The Sounds of Thunder”, o kelpiano e sua raça tem um desenvolvimento expressivo, e até mesmo a humana ciberneticamente alterada Airiam (Hannah Cheesman), que é o centro de outro ótimo episódio da segunda temporada, “Project Daedalus”. Já o relacionamento em crise entre Stamets (Anthony Rapp) e o revivido Dr. Culber (Wilson Cruz), mostrado em vários episódios, não serve absolutamente para nada.

Finalmente tudo desemboca nos dois episódios finais do ano, “Such Sweet Sorrow” e “Such Sweet Sorrow, Part 2”, que levarão ao maior retcon da série. A tripulação da Discovery descobrira que o “Anjo Vermelho” era a supostamente falecida mãe de Burnham, utilizando o traje de viagem no tempo da Seção 31 e que posteriormente vai para o futuro para não mais retornar. Mas, como já desconfiava, há um outro “Anjo Vermelho”: a própria Burnham, que graças aos projetos da Seção 31 recebe um outro traje para viajar no tempo e se torna o ser do futuro que Saru e ela mesmo haviam visto anteriormente.

Com a Seção 31 dominada pelo Controle, uma inteligência artificial que, caso obtenha os dados do Projeto Dédalo que estão na Discovery, irá destruir todos os planetas de raças sencientes, o episódio final se revela uma verdadeira montanha-russa. Repleto de ação praticamente ininterrupta, nele vemos a batalha espacial mais frenética da franquia, tanto na TV como no cinema. Tendo a Discovery e a Enterprise no centro, com o apoio de nunca antes vistos caças da Federação e naves klingons e kelpianas, o objetivo é enfrentar as naves do Controle até que Burnham viaje ao passado para criar os sinais que unirão os aliados, permitindo lançar ela mesma e a Discovery 950 anos no futuro, onde os dados do Projeto Dédalo estarão a salvo da IA.

Obviamente isso acontece, e então vem o retcon: por sugestão do próprio Spock, é emitida uma ordem pela qual todos os oficiais da Federação ficam proibidos de mencionar a existência da Discovery e da Comandante Michael Burnham, sob pena de traição. Fica assim explicado porque a Discovery, seu motor de esporos e a própria Burnham nunca haviam sido mencionados na franquia. É uma solução interessante, porém é difícil de acreditar que personagens não-federados como Harry Mudd e os próprios klingons iriam obedecer a tal ordem. Porém, foi a melhor solução encontrada em um projeto que sofreu desde o início com o antagonismo de querer inovar e, ao mesmo tempo, ser fiel ao cânone estabelecido.

Nada disso seria necessário caso a série desde o início se passasse depois do século 24, onde mudanças de design e novas tecnologias seriam aceitas naturalmente pelos fãs. Mas para que facilitar se dá para complicar, não é mesmo? O episódio final e a temporada terminam com Pike, Spock e a tripulação da Enterprise deixando a doca espacial rumo a novas missões que eu, particularmente, preferiria ver ao invés do que nos reserva a já confirmada terceira temporada de Star Trek: Discovery.

Jorge Saldanha

12 comentários em “Resenha de Série: STAR TREK: DISCOVERY – 2ª Temporada

  1. afonsoaero

    É DE LONGE a pior série de toda a franquia.

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    • Gustavo Soares

      Concordo! E em termos de ficção científica, uma das piores que já assisti.

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      • afonsoaero

        Nem aqueles filmes B (e C) da década de 50 tinha uma besteira tão grande quanto esse “drive de esporos”. Ficção é uma coisa. Forçação de barra é outra. E em boa parte da série fico em dúvidas se é mesmo uma série scy fy ou se é uma peça de propaganda político identitária.

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        • Carlos Fernando Schmitt

          Concordo! Não dá para “digerir” essa de um “motor de esporos”. Vejo Discovery mais como uma série vagamente baseada em personagens daquilo que já foi “Star Trek” e a parte “científica” da expressão ‘ficção científica” não existe mais…

          Live long and prosper

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  2. Só reforçando o coro, uma bela de uma porcaria, não total, porque há episódios que são bons, mas a maioria é ruim.

    Conseguiram finalmente sair do feminismo exacerbado da temporada 1, mas aí caíram no vamos tentar isso, vamos tentar aquilo. Essa tal Seção 31 que surgiu do nada…nada a ver. Caças de ataque?
    O motor de esporos e o “monstrinho fofinho” relacionado chega a ser uma piada, mais engraçado é quando ele é livre para ir vagar pelo espaço, pareceu aqueles filmes fantasiosos da Disney.
    Me desculpe se alguém acha careta, mas o “romance homo” foge completamente ao foco da série, alias, tira totalmente o foco, dá até para confundir com uma novela da Globo, uma perda de tempo, não incorpora nada, perderam o rumo no que seria algo SciFi no renascimento do “doutor porta” com uma insistência que chega a ser chata. Assim como o feminismo que houve exagerado, essa situação claramente é para atrair pessoas do gênero a assistir ao seriado.

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    • afonsoaero

      Exatamente. Foi o que eu quis dizer com “peça de propaganda de política identitária” no cometário acima.A série Star Trek sempre esteve conectada com o seu tempo. Foi protagonista do primeiro beijo interrracial na TV, por exemplo, mas essa exagera. Parece que tira o foco da ciência para se concentrar em propaganda LGTB, feminismo, etc… Grande parte dos personagens são gays ou mulheres “empoderadas”. Não quero aqui me posicionar contra gays, mulheres ou negros, Acho que suas aspirações podem até serem válidas. Acontece que os fãs querem uma série scy fy, com ciência plausível, um universo mais próximo da tradição Star Trek e diversão pura e simples. Não creio que seja a hora e o lugar, pelo menos não na intensidade e frequência que são inseridos esses assuntos. Deixa isso pra “Sense 8” e afins.

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      • Falou tudo.
        Parece que inflaram mais ainda depois que surgiu o caso do ator da série clássica, aí conseguiram “embutir” no “Star Trek 3” mais recente, e agora essa bagunça – nem sei de outros casos, o negócio é que desvirtua o objetivo da série para discussões que não agregam nada ao contexto.

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  3. Carlos Fernando Schmitt

    Em 1966, a série lançava conceitos de tecnologias como: tablets, celulares com flip, tradutores de mão, portas automáticas, computadores com interface de voz, dispositivos multi-sensores (tricorders) entre outros, inclusive o motor de dobra, que hoje já teve o seu princípio físico provado (https://pt.wikipedia.org/wiki/Propuls%C3%A3o_Alcubierre) e aliou isso com enredos excelentes e personagens tão bons que são lembrados até hoje. Eram ótimas estórias. As outras séries que se seguiram, conseguiram, com maior ou menor grau de sucesso, seguir a linha da série original. O que se vê em ST Discovery são: eternas DR entre os personagens, valorização de enredos paralelos que não têm nada a ver com as premissas da série. A Frota Estelar é uma entidade eminentemente de hierarquia militar, mas as personagens agem como doidos sem controle. Não é mais ficção científica, praticamente só herdou o nome da série. Lamentável. Vamos ver o que vem por aí com essa nova série sobre o jovem Picard…

    Live long and prosper

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    • “O que se vê em ST Discovery…”

      Nem mereceria ser chamada de Star Trek.

      “A Frota Estelar é uma entidade eminentemente de hierarquia militar, mas as personagens agem como doidos sem controle.”

      A almirante Cornwell, óbvio que teria que ser uma mulher, nada contra, apenas pelo fato de que ela chegou com toda a pompa de novela girl power que a série foi se moldando, chegou como se fosse botar ordem, que a Frota Estelar tem ordem, parecia, Michael na situação em que estava, mas aí definharam essa ordem para o que vemos hoje em dia.

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  4. afonsoaero

    Aí, turma: já vi que pelo menos a maioria concorda que a série pode ser tudo, menos Scy fy de qualidade e muito menos Star Trek.
    Então, vamos todos assistir The Orville, que é muito melhor como série, mais divertida e tem muito mais de StarTrek que essa porcaria de Discovery.

    Awika para todos (alguém sabe/lembra do Awika?)

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    • Eu comecei a assistir The Orville justamente pela pegada cômica sobre Star Trek, mas achei humor muito forçado e muiiiito lenta a dinâmica, cansativa às vezes, pelo menos nos primeiros episódios, por conta disso parei de assistir.

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      • afonsoaero

        Os primeiros episódios da primeira temporada realmente tem um certo excesso de piadas, com um ar de sitcom, que é coisa que detesto. Mas depois, parece que acertaram a mão, diminuiram as piadas idiotas e na minha opinião o nível subiu bastante. Estou esperando o final da segunda temporada para fazer maratona. Dizem que está até melhor que a primeira. Mas tudo é questão de gosto.

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