Filmes Review - Trilhas Sonoras

Resenha de Trilha Sonora: KONG – SKULL ISLAND – Henry Jackman


Música composta por Henry Jackman
Selo: WaterTower Music
Formato: Digital
Lançamento: 03/03/2017
Cotação:

Você provavelmente já conhece a história: um grupo de cineastas e militares viaja até uma ilha desconhecida para rodar um filme, mas acaba encontrando criaturas exóticas e perigosas, com a mais impressionante sendo um feroz gorila gigante. Tal besta sequestra a principal atriz do filme e acaba se “apaixonando” por ela. Capturado e levado para a cidade grande, o gorila deve enfrentar a batalha final por sua sobrevivência no topo do Empire State Building. Entretanto, para a mais nova aventura do poderoso King Kong nos cinemas, é necessário que a criatura sobreviva para que, se os planos do estúdio derem certo, ele possa futuramente combater outro monstro icônico dos cinemas, o Godzilla, na versão norte-americana introduzida no longa de 2014 – que, como você deve se lembrar, ganhou um excelente score de Alexandre Desplat. Assim, a história é levemente alterada em Kong: A Ilha da Caveira (Kong: Skull Island, 2017) em relação ao clássico King Kong (idem, 1933) e seus remakes de 1976 e 2005: na trama, passada em 1973, os cientistas do Projeto Monarch, dedicado a pesquisar a existência de criaturas gigantes e já visto no longa de Godzilla, requisitam a escolta de um destacamento do exército americano para investigar a misteriosa ilha do título, e acabam encontrando Kong e outros monstros perigosos.

O primeiro filme com o gorila é um marco não apenas da história do cinema, como também das trilhas sonoras. Seu score, composto pelo lendário Max Steiner, foi um dos primeiros a utilizar técnicas até hoje empregadas na Música de Cinema, como o uso de temas específicos (uma ideia tomada emprestada da ópera wagneriana), e também por utilizar a trilha sonora como recurso dramático, ao invés de apenas como música de background. Ou seja, se estamos aqui discutindo trilhas sonoras hoje, quase um século depois, foi graças ao pioneirismo de Steiner, que praticamente inventou do zero a linguagem da Música de Cinema para uma aventura pulp sobre um gorila gigante. Depois disso, Kong foi musicado por diversos outros grandes compositores: Akira Ifukube escreveu as trilhas dos primeiros longas do Godzilla japonês e inclusive do primeiro confronto dos dois monstros, no longa de 1962; John Barry foi o autor do score do remake de 1976; John Scott compôs para a bizarra sequência King Kong 2 (King Kong Lives, 1986); e, finalmente, James Newton Howard escreveu um dos mais queridos scores de sua carreira para o épico de Peter Jackson sobre o gorila, lançado há pouco mais de 11 anos atrás. Seguindo os passos desses compositores, está Henry Jackman, o músico escolhido para A Ilha da Caveira.

Jackman, claro, é um músico talentoso, tendo prestado um bom trabalho a filmes de ação e aventura ao longo desta década. Assim, seu score para Kong é adequadamente repleto de exotismo e grandiosidade, além de alguns interessantes e bem vindos tons de rock e psicodelismo, o que serve para diferenciar o filme e a trilha dos outros trabalhos escritos para o gorila. Por outro lado, o sujeito não é nenhum Newton Howard ou Scott, e muito menos um Barry ou Steiner e, portanto, seu trabalho padece um pouco por soar derivativo de outras de suas trilhas anteriores para filmes similares, como Operação Big Hero (Big Hero 6, 2014), Kingsman: Serviço Secreto (Kingsman: The Secret Service, 2015) e, principalmente, seus dois longas para o Capitão América.

O compositor também escreveu uma boa porção de temas e identidades musicais para sua trilha, embora, estranhamente, alguns deles sejam utilizadas apenas no terço inicial do longa. É o caso do tema introduzido logo na terceira faixa, Project Monarch, que representa o tal projeto e a missão em que os personagens embarcam. Ouvido novamente depois em faixas como Assembling the Team, Into the Storm e de forma grandiosa em The Island, antes de desaparecer por boa parte do filme, ele faz um bom trabalho ao dar um indicativo da aventura que espera os nossos heróis – muito embora ele lembre algo que Jackman pudesse ter escrito para Capitão América 2: O Soldado Invernal (Captain America: The Winter Soldier, 2014).

Os soldados que acompanham os cientistas também ganham um motivo próprio, com guitarra e percussão de rock pesado, ouvido nas citadas Assembling the Team e Into the Storm. Tal motivo caracteriza a atitude jingoísta e imperialista dos militares norte-americanos no longa, portanto, a decisão de abandonar esse motivo na segunda metade do disco faz sentido – afinal, a exagerada autoconfiança dos soldados logo é abalada quando eles se defrontam com as criaturas bem mais poderosas que habitam a Ilha da Caveira. Já o líder militar da expedição, o obcecado e vingativo Tenente-Coronel Packard (Samuel L. Jackson), ganha seu próprio tema, um motivo para guitarras psicodélicas e um instrumento eletrônico de nome Cosmic Beam (interpretado por Francesco Lupica, com quem o mentor de Jackman, Hans Zimmer, colaborou em Além da Linha Vermelha). Tal tema não apenas está em consonância com a época em que a história se passa, como também seu estilo instável e distorcido casa bem com a personalidade perigosa do personagem. No disco, ele é ouvido em faixas como Packard’s Blues, Spider Attack e Lost, por exemplo. Enfim, isso demonstra um pouco da criatividade de Jackman, que o levou a ser um dos melhores da Remote Control, e do pensamento inventivo que ele demonstra quando quer.

Infelizmente, o restante do score não chega a ser tão surpreendente. O tema de Kong, por exemplo, é adequadamente ameaçador e “monstruoso”, consistindo em dez notas, que geralmente são ouvidas em trombones ou trompas, e introduzido inicialmente aos 1:36 de Kong the Destroyer. Algumas faixas depois, em The Temple, tal tema retorna em cordas, metais e coro, ressaltando a imponência e a ameaça do gorila. Quebrando um pouco os tons sombrios e ameaçadores da trilha, está um motivo no melhor estilo Americana, representando o soldado interpretado por John C. Reilly, que caiu na ilha durante a Segunda Guerra Mundial, e lá vive desde então. Em Grey Fox, esse motivo surge combinado ao tema do Projeto Monarch, numa bela e tocante melodia para cordas, piano e trompetes no melhor estilo Aaron Copland, e que (junto com a faixa The Smithsonian da trilha de O Soldado Invernal), provam que o inglês Jackman tem talento para compor no estilo característico da música do outro lado do Atlântico. Pouco depois, Marlow’s Farewell, a melhor faixa do disco, reprisa o motivo em toda a orquestra, de forma mais nobre e grandiosa, com um final emotivo, para representar a despedida de Marlow da ilha e de seus habitantes.

Por outro lado, a trilha tem também uma boa parte de faixas de ação, a começar pela citada Kong the Destroyer. Acompanhando o primeiro embate entre os militares e o gorila gigante, o cue é caótico e violento, com muita percussão e violinos tempestuosos, embora perca um pouco de seu impacto com o uso dos famigerados horns of doom popularizados em A Origem (Inception, 2010) – em pleno 2017, esse recurso já perdeu há anos qualquer impacto que pudesse ter antes. Já faixas como Spider Attack, Dominant Species e The Boneyard seguem no estilo mais moderno do compositor, e não soariam fora de lugar em um de seus thrillers de ação, como Capitão Phillips (Captain Phillips, 2013) e Jack Reacher: Sem Retorno (Jack Reacher: Never Go Back, 2016), enquanto Monsters Exist e Kong the Protector são mais bem sucedidas, com melodias orquestrais dramáticas para representar a terrível situação em que os soldados se encontram.

O clímax começa a partir de Ambushed, uma violenta faixa de ação para orquestra e coral, que poderia ser uma variação menos heroica da música de Capitão América: Guerra Civil (Captain America: Civil War, 2016) – e deve-se ressaltar que a excelente qualidade na gravação do score do terceiro filme do herói se mantém aqui. Depois, o tema de Kong retorna de forma dramática em The Heart of Kong, e na subsequente Man vs. Beast, onde trava um confronto de tons tribais com o tema do Coronel Packard. Por fim, o combate final se dá na longa The Battle of Skull Island, que traz os temas do Projeto Monarch e do gorila nos sopros, acompanhados de percussão e de intensos ostinatos de cordas. No epílogo, o tema de Kong retorna de forma imponente e grandiosa em King Kong, conforme o enorme protetor da Ilha da Caveira clama para si o título de rei, enquanto a faixa bônus Monster Mash indica que os próximos adversários de Sua Majestade poderão ser bem maiores e mais poderosos do que o comum.

No fim das contas, Kong: A Ilha da Caveira é uma trilha de aventura que, embora não esteja no nível dos outros trabalhos escritos para o gorila, é decente, divertida e continua a mostrar o talento de Jackman para filmes do tipo. Ainda assim, é difícil afastar a sensação de “já ouvi isso antes” que permeia o trabalho, por soar relativamente derivativo de tantas outras trilhas de ação deste século. Sendo assim, ao menos no campo musical, Kong começa em desvantagem seu conflito com o Godzilla.

Faixas: 

1. South Pacific  0:35
2. The Beach  1:27
3. Project Monarch  2:02
4. Packard’s Blues  1:14
5. Assembling the Team  1:48
6. Into the Storm  2:44
7. The Island  1:16
8. Kong the Destroyer  3:43
9. Monsters Exist  2:27
10. Spider Attack  1:39
11. Dominant Species  2:00
12. The Temple  5:47
13. Grey Fox  2:33
14. Kong the Protector  1:49
15. Marlow’s Farewell  2:37
16. Lost  1:27
17. The Boneyard  1:52
18. Ambushed  2:21
19. The Heart of Kong  2:11
20. Man vs. Beast  2:31
21. Creature from the Deep  2:44
22. The Battle of Skull Island  5:46
23. King Kong  2:42
24. Monster Mash (Bonus Track)  1:27

Duração: 56:42

Tiago Rangel

1 comentário em “Resenha de Trilha Sonora: KONG – SKULL ISLAND – Henry Jackman

  1. Análise muito legal! Observa-se que as trilhas apresentam um estilo intrigante, porém ao não diferenciar-se de seus trabalhos anteriores o autor acaba por limitar-se.

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